Criança deve entender de sexo?

Muito recentemente houve um acirrado debate sobre uma performance cujo vídeo viralizou nas redes sociais, onde aparece uma criança interagindo em cena com um ator nu, imediatamente classificada de lixo por várias pessoas. Não faltou quem passasse a defender a volta aos tempos nefastos da ditadura, em que grupos de pessoas, supostamente dotadas de capacidade superior à dos demais mortais, se diziam no direito de autorizar ou vetar aquilo que poderíamos ou não assistir.

Bastou eu concentrar minha postagem em torno dos aspectos relacionados ao conceito de arte e de repúdio à censura, recusando-me a analisar apressadamente a presença da criança no palco, para que um pequeno grupo de pseudo-moralistas nitidamente analfabetos funcionais passasse a me atacar cobrando de mim um posicionamento sobre a presença dessa criança em palco, o que me recusei a fazer ciente do grau de superficialismo, ignorância e hipocrisia de que padecem muitos dos que me atacaram por uma suposta omissão.

Não é preciso mencionar que muitos desses “moralistas” (entre aspas, evidentemente), não têm a menor noção de como educar seus próprios filhos, embora se arvorem em pretensos educadores dos filhos dos outros. Desse grupo participam, obviamente, sem querer generalizar, como eles próprios costumam fazer, os machistas que cobram postura ousada ou mesmo obscena dos filhos homens como demonstração de macheza diante de uma mulher. Não é difícil supor que a reação seria diversa, por exemplo, se houvesse no palco uma criança do sexo masculino tocando o pé de uma mulher nua, situação em que muitos até incentivariam essa criança a ser mais ousada nesse toque sutil para comprovar-se macho.

(Acesse o vídeo ou continue lendo a seguir)

Em primeiro lugar, uma breve manifestação em relação ao aspecto arte, já que este não é o tema do canal e do site. Todos podemos nos pronunciar sobre a nossa visão em relação a cenas como essas. Podemos classificá-las como de mau gosto, esteticamente duvidosa ou, ao contrário, encaixada no conceito de arte. É um julgamento individual, a que cada um tem direito num país que se pretende democrático. Mas daí a querer impor aos outros o seu próprio julgamento de arte ou de não-arte já deixa evidente a postura de arrogância e de obscurantismo ou mesmo de total ignorância em relação a manifestações artísticas que atravessaram os séculos  com a presença do nu e que sempre se destacaram entre os críticos como exemplos de arte indubitavelmente dotadas de alto valor estético.

Mas, como já dissemos, arte não é o tema deste site e do canal, mas sim sexualidade, comportamento e relacionamento, e em respeito aos pedidos dos nossos frequentadores, e não aos raivosos falsos moralistas que tiveram a arrogância de tentar nos pressionar, resolvemos analisar neste artigo a sexualidade das crianças.

Cegonha já era

Há muitos aspectos a enfatizar nesta análise. A primeira delas é a de que a sexualidade está presente na criança desde o seu nascimento, como nos ensinou Freud desde o século 19, entre outros que foram vítimas da mesma fúria obscurantista em relação à sexualidade humana, entre os quais um dos seus discípulos mais famosos, o médico, psicanalista e cientista Wilhelm Reich.

A segunda ênfase se dá em razão da necessidade de esclarecer os mais ignorantes quanto ao fato de que sexualidade não está associada ainda a erotismo na cabeça das crianças, algo que começa a surgir mais na puberdade.

A terceira ênfase que deve ser manifestada,  diante dos que ainda insistem em achar que criança acredita que os bebês são trazidos por cegonhas ou surgem de sementinhas, é que as crianças devem ser deixadas à vontade para perguntar e para questionar, e que a pior postura é o castigo, a advertência, a reprimenda, a repressão em relação a atitudes e gestos envolvendo o próprio corpo em consequência natural do despertar da sexualidade.

Diante do terror injustificado de pais que reprimem o despertar ou o desenvolvimento da sexualidade e que deixam, em contrapartida, os filhos expostos às mais execráveis cenas de violência e brutalidade, como se a crueldade fosse uma fase natural da vida e não a sexualidade, parto para mais uma ênfase, desta vez em forma de pergunta: você sabe qual é a melhor maneira de responder a uma pergunta de criança sobre sexo?

Dogmas e hipocrisia

Provavelmente não sabe, se for um hipócrita despreparado e prisioneiro de dogmas estúpidos ou de posturas igualmente hipócritas que apelam para posicionamentos obscurantistas baseados na inclinação repressora, estas sim, propulsoras de todas as noções equivocadas que tanto prejuízo já causaram, causam e ainda continuarão causando ao desenvolvimento de uma sexualidade sadia.

Pois eu vou lhe dizer: a melhor saída para uma pergunta sobre sexo, vinda de uma criança, principalmente se essa pergunta lhe parecer embaraçosa, é perguntar à criança o que ela acha daquilo que ela própria está perguntando.

Isso mesmo: a melhor resposta é começar perguntando.

Isso se chama procurar conhecer o universo de conhecimento dessa criança sobre o tema sexualidade, que varia de criança para criança, mesmo entre crianças da mesma idade, da mesma forma que varia entre adultos, sabendo-se que mesmo marmanjões arrogantes tantas vezes não sabem nada sobre sexo.

A partir desse conhecimento demonstrado pela criança você terá como responder de forma condizente com esse universo de conhecimento dela própria, sem arriscar-se a passar por constrangimento maior que será o de ser chamado de bobalhão que nada sabe sobre sexo caso venha a ensaiar respostas ridiculamente inseridas no folclore dos que ainda acham que criança nada sabe sobre algo que está no corpo dela e de todos os seres viventes: o sexo.

Para a vida toda

Associar sexo a algo negativo cria essa visão negativa para a vida toda. Criança quer respostas simples e objetivas, jamais mentiras ou enganações. E se a criança quer se aprofundar nas perguntas, esta é uma forma de ela lhe fornecer ainda mais noção quanto à abrangência e à profundidade desse universo que ela tem. Não tente fazê-la de idiota, sob o risco de você se revelar o idiota nesse diálogo, que pode variar de esclarecedor a embaraçoso ou confuso conforme o seu universo de conhecimento sobre a maneira mais adequada de agir numa situação dessas.

Existem diretrizes óbvias que escapam aos ignorantes e aos falsos moralistas, repressores e hipócritas. A criança deve sentir-se à vontade para perguntar. Se você não quiser responder ela vai procurar outra forma de saber, ficando mais vulnerável a riscos. E se você tentar esconder o seu despreparo apelando para respostas idiotas vai criar uma visão distorcida na cabeça das crianças, visão distorcida que, esta sim, é absolutamente nefasta ao desenvolvimento sadio de sua sexualidade.

Existem adultos tão ignorantes ao ponto de tentar reprimir o óbvio: o corpo é fonte de prazer, e a criança descobre isso, queira você ou não. Descobre também, já muito cedo, as diferenças anatômicas entre os sexos. Reprimendas, censuras e castigos são a forma mais estúpida e infalível de torná-la um adulto sexualmente doente.

É óbvio que também é preciso mostrar a ela a diferença entre o comportamento sexual e o comportamento social. Se na descoberta do prazer ela se masturba, o que é um reflexo natural em certa fase do desenvolvimento sexual, não deve ser reprimida ou castigada, mas sim orientada a não proceder dessa forma em público, na frente de outras pessoas, porque é um ato íntimo, entre ela e o próprio corpo.

Imaturidade adulta

A repressão numa fase dessas talvez seja a resposta aos adultos viciados em masturbação: reprimidos, certamente não amadureceram sexualmente. E podem inclusive, muitas vezes, proceder, aí sim, de forma condenável ou prejudicial a outras pessoas em razão exatamente dessa imaturidade aguda resultante de uma educação repressora.

Quem coloca minhoca na cabeça das crianças são os adultos repulsivamente ignorantes, que misturam – por exemplo – sexo com dogmas de religiões tendentes a macular a noção sadia de sexualidade, ou que se tornam prisioneiros de educações repressoras e altamente nefastas.

Nem é preciso mencionar que a criança deve estar sempre cercada de cuidados quanto à sua segurança, não se permitindo que ela permaneça sozinha em companhia de pessoas desconhecidas, mesmo que eventualmente vistas como da mais alta confiabilidade.

Abusos sexuais e crimes são costumeiramente cometidos por parentes e pessoas próximas, mas não é através de uma educação repressora que esses cuidados se tornarão eficazes, muito pelo contrário. Não é o conhecimento que leva ao risco, mas sim a ignorância, a desinformação e a falta de orientação.

Avalie com equilíbrio e bom-senso

Propor-se a ditar comportamentos e a apressar julgamentos sem conhecer contextos, circunstâncias, objetivos, universo infantil envolvido e uma série de pressupostos indispensáveis a uma avaliação equilibrada é pressupor-se dono da verdade e paladino da moralidade, sintomas reveladores exatamente de personalidades que contradizem a suposição de postulados pretensamente nobres e esclarecedores.

Eu me considero uma pessoa privilegiada, pois convivi com uma mãe honesta e digna, que sempre manteve comigo um diálogo franco e esclarecedor sobre sexo, e com um pai repressor que tantas vezes identificava em comportamentos ingênuos e inocentes de uma criança as possíveis distorções da sexualidade dele próprio, que resultaram precisamente da educação altamente repressora que ele recebeu na infância.

Não convivi com o meu pai o suficiente para desvendar tudo sobre a personalidade dele, pois quando ele morreu eu era um garoto ainda. Mas conheci a história de outros meninos cujos pais, também repressores, escondiam em seu disfarce falso-moralista atitudes que eles não ousavam revelar, mas que aos poucos, com nossa imaturidade atenuada, acabamos descobrindo.

Aprendi muito cedo, portanto, a distinguir atitude esclarecedora de ignorância e de hipocrisia. E me tornei vacinado contra esta última forma danosa e nefasta de proceder em relação a uma questão da maior importância na vida de qualquer pessoa: o desenvolvimento de uma sexualidade sadia, que vale por toda vida e previne dissabores e até mesmo tragédias.

Sobre o Autor

Gerson Menezes
Gerson Menezes

Escritor (com 9 livros publicados), jornalista, empresário, professor universitário (durante 10 anos), empreendedor digital e youtuber. Os livros podem ser encontrados na livraria virtual Amazon e na Thesaurus Editora.

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